19/06/2012

Kramer vs. Kramer


                                                Disponível: http://tehparadox.com Acesso em 19 jun. 2012

EUA, 1979. Roteiro e direção: Robert Benton
Elenco: Dustin Hoffman, Meryl Streep, Jane Alexander e Juntin Henry

Há alguns dias, quando assisti Ricky (França, 2009) de François Ozon, fiquei desapontado ao testemunhar como um cineasta veterano e habitualmente competente conseguiu criar uma obra tão medíocre. O filme pretendia flertar com o absurdo, mas fracassa miseravelmente ao mostrar seus personagens agindo de forma, imaginem só, terrivelmente absurda. E desta forma, Ozon sacrifica toda sua narrativa, já que este o mais fascinante de um projeto como este seria justamente analisar como pessoas comuns reagiriam diante de uma situação como aquela.

Pois bem, este desabafo serve para introduzir a este filme que me surpreendeu positivamente  por fazer o oposto, visto que o roteiro de Robert Benton (adaptado da obra de Avery Corman) não aposta em uma trama absurda, pelo contrário, tudo soa perfeitamente compreensível. Mas a melhor parte é que, além disso, o filme conta com personagens maravilhosos, que agem como adultos racionais, com sentimentos. Pessoas que agem como qualquer outra pessoa com sangue nas veias agiria vivendo um dilema semelhante. Pessoas como eu e você.  Pessoas de verdade, e esta é uma proeza que apenas os roteiristas competentes são capazes de criar.

Kramer vs. Kramer possui grandes trunfos, mas sem dúvida, o maior deles talvez seja o fato de que o roteirista (que faço questão de voltar a elogiar) fez sua lição de casa e percebeu na obra original algo que valia a pena adaptar. Pois ali havia o melhor que qualquer boa história pode conter: um belo conflito entre oponentes que são verdadeiros opostos. O clássico  embate entre herói e vilão, que aqui são substituídos por pessoas comuns, com defeitos e virtudes. E justamente por isto estas pessoas despertam a simpatia do espectador ao longo do filme.

Quando Joanna Kramer (Meryl Streep, jovem e linda, numa atuação que lhe rendeu um Oscar de melhor atriz coadjuvante) decide deixar o marido e o filho ainda em uma das cenas iniciais, logo somos levados a repudiar a atitude daquela mulher que tem coragem de abandonar seu filho de sete anos de idade com o pai, um sujeito visivelmente despreparado para cuidar sozinho de uma criança. Mas quando conhecemos melhor aquela mulher, não há como não compreendê-la, e o melhor é que o roteiro (ou ela mesma) não pretende justificar sua atitude, mas é inteligente ao mostrar como aquilo foi doloroso para ela, e o quão arrependida ela está depois de alguns meses, quando surge disposta a recuperar a criança que, por sua vez, já se acostumou a viver ao lado de seu pai, Ted Kramer (Dustin Hoffman, numa atuação que também lhe rendeu o Oscar, neste caso, de melhor ator).

Esta história simples nos hipnotiza por uma hora e quarenta minutos, graças a todas as atuações invariavelmente discretas e impecáveis vistas ao longo do filme e, claro, ao talento do cineasta e sua paciência na construção de sua narrativa e de cenas exploradas com cuidado. Um bom exemplo é a cena do primeiro café da manhã entre pai e filho, que começa de forma pacata, mas termina em um verdadeiro caos, comprovando o total despreparo daquele homem na função de pai. Mas ao longo da trama acompanhamos a evolução daquela família, até que finalmente presenciamos um café da manhã entre os dois em perfeita harmonia, é claro que a rotina dos dois voltará a se transformar com o retorno da mãe.

Além disto, esta questão de mostrar uma mãe abandonando o filho com o marido em pleno inicio dos anos oitenta é algo minimamente corajoso. Se hoje em dia tal atitude seria duramente repreendida, dá pra imaginar como isto teria sido há mais de trinta anos. Enquanto se fosse o contrário (o marido deixando esposa e filho), seria algo perfeitamente natural e aceitável, afinal, a “culpa é sempre da mulher”, que em situações como esta costuma ser acusada por não ter “segurado o marido”, algo não muito raro até hoje na sociedade machista em que vivemos. Por este motivo, este filme é, sem dúvida, uma obra feminista. Muito embora o foco da história esteja em um protagonista homem, pois na outra ponta desta trama há uma mulher insatisfeita e corajosa, que não se considera boa mãe e decide tentar ser feliz. Quem, afinal, pode julgá-la?

Por fim, um filme imperdível que narra a história simples de personagens complexos e que não pode deixar de ser assistido. Vencedor de vários Prêmios da Academia, incluindo de melhor filme, também foi indicado na categoria de melhor ator coadjuvante para o garotinho que interpreta Billy, o filho do casal de protagonistas, que aos oito anos se tornou o mais jovem indicado a um Oscar na história do prêmio.

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